Domingos Carvalho, Mutualismo. A força do associativismo democrático., Cadernos CA, N.º 3, 1ª ed., Lisboa, Casa do Alentejo, 1998, 40 pp.
"As associações de Socorros Mútuos aglutinaram especificamente as classes dos empregados do comércio e da indústria, compatíveis com um projecto baseado na solidariedade, e as mais reforçadas exercem ainda a sua acção benéfica. Sobreviveram a todos os assaltos da longa vida mutualista, não obstante as dificuldades inerentes às funções que desempenham.
Comecemos por abordar aspectos relevantes da Associação dos Empregados do Comércio e Indústria, com sede na Rua da Palma, sem desmerecer a notável trajectória da sua congénere da Rua de S. Cristóvão: falaremos, oportunamente, da sua prestigiada acção assistencial (...)
Os pioneiros
A associação da Rua da Palma recebeu o primeiro impulso em 1853, reinava D. Maria II. Uns tantos idealistas, fascinados pelo modelo mutualista de exemplar perseverança, encetaram conversas ainda mal arrumadas e decidiram, entusiasticamente, formar a comissão pioneira. O objectivo era legalizar os fundamentos de um organismo para a defesa da classe comercial nos propósitos mais generosos: assistência no desemprego, na doença, na inabilidade, no horário de trabalho e no encerramento dos estabelecimentos ao
Domingo.
A Rainha D. Maria II deu o primeiro impulso à Associação dos Empregados do Comércio e Indústria, com sede na Rua da Palma.
As diligências efectuadas tiveram uma repercussão retumbante. Daí a antipatia do patronato pela inesperada iniciativa. Mas o grupinho sentia-se coeso e «ligado» à inteligência, já possuído de noções decalcadas de experimentações associativas que, nessa época, lutavam pela emancipação das classes trabalhadoras. Precisavam, no entanto, de acalmar o patronato atemorizado e recalcitrante. Para o efeito foram destacados três caixeiros que, por sua vez, se dirigiam às lojas com exacerbadas gerências e, com exemplar subtileza, divulgavam a bondade da proposta, convidando patrões e chefes de serviço a aderirem ao movimento que, dentro do espírito dos futuros estatutos, os não rejeitaria. Como reforço, lembravam-lhes que, também eles, só tinham podido contar com a assistência da Misericórdia de precários serviços de saúde.
Estes argumentos conseguiram a moderação das hostilidades, que não conduziu, todavia, à confiança sem vigilância. Mas lá ficou a mensagem irrecusável: «independentemente das convicções individuais, a acção também se destinava a apoiar diligências no sentido de debelar as epidemias de cólera e de febre amarela que dizimavam, e não escolhiam classes, quase todos os enfermos...»
Os comissionados começaram por fixar uma quotização modesta; por isso mesmo, não tardaram as aderências que reforçaram a esperança e a alegria quase obsessiva. Foi o ponto de partida para a primeira reunião, com aspectos tranquilizadores pela segurança de meios. A reunião teve lugar na sede do «Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas», à Rua do Poço dos Mouros, em 13 de Novembro de 1853. Aquela colectividade, voltada para as ideias mutualistas, cedeu a sua sala para a novel associação eleger a «Mesa Provisória da Assembleia Geral». Ali foram eleitos os caixeiros Alves Sampaio, Urbano Seixas e Francisco Rodrigues e, na mesma sessão, a Assembleia decidiu proclamar os objectivos fundamentais, entusiasticamente ratificados:
– defender, em associação, princípios humanitários;
– assistência médica aos associados; assistência aos desempregados;
– instrução e descanso ao Domingo;
– respeito por horários de trabalho compatíveis;
– outros benefícios para a classe, regulamentados pelos Estatutos.
Ajudada pelo entusiasmo resultante dos primeiros passos em favor de uma causa justa, a comissão (que hoje se designaria por instaladora, em terminologia analógica), dirigiu à Câmara Municipal uma exposição baseada em dois pontos: o primeiro chamava a atenção para a injustiça da licença de abertura dos estabelecimentos ao Domingo; o segundo ponto reclamava obras para o Porto de Lisboa, cujos acessos se encontravam em progressiva degradação.
Entretanto, aceitando para o efeito as salas de organizações mutualistas, promoveram aulas de ensino médio e prático, que muito valorizaram os conhecimentos rudimentares dos aderentes.
Consequentemente, o Socorro Mútuo ganhou forma e desenvolvimento em diversos quadrantes da vida profissional. Surgiu o almejado projecto do Estatuto, expressivo nas directivas conjunturais mas incipiente na forma jurídica e que, por essa razão, mereceu generalizados reparos. Foram votadas alterações que vieram concretizar-se, por aprovação definitiva, em 5 de Novembro de 1854.
Na mesma sessão foram eleitos todos os Corpos Gerentes, cuja funcionalidade provisória teve de ser autenticada. Aqui se destacam os nomes dos presidentes dos órgãos regulamentares: Assembleia – António Serzedelo júnior; Direcção – Costa Viana (...)"
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