OPINIÃO - Movimento 1.º de Dezembro
1.º de Dezembro: carta a Vasco Pulido Valente
Notícia do Jornal Público recp. na ligação abaixo
https://www.publico.pt/2014/12/16/opiniao/opiniao/1-de-dezembro-carta-a-vasco-pulido-valente-1679447
Pela sua universalidade, pertinência e permanência [enquanto o jornal Público consentir] transcrevemos este muito pertinente, bem elaborado e bem estruturado manifesto:
“1.
VPV [Vasco Pulido Valente] começa por menosprezar a Restauração e o 1.º de
Dezembro do ponto de vista histórico, com uma leitura ideológica algo
enviesada.
Discordamos,
mas não é este o ponto deste texto. A Restauração, período que vai desde o 1.º
de Dezembro de 1640 a 13 de Fevereiro de 1668, data de assinatura do Tratado de
Lisboa que estabeleceu a paz com Madrid, é objecto de diferentes leituras e
interpretações pelos historiadores.
O
fundamental é que, a partir daí, a partir do 1.º de Dezembro e da Guerra da
Restauração em que saímos vitoriosos, Portugal reganhou a sua independência
plena, de novo com soberano próprio – foi posto termo ao domínio filipino e à
chamada monarquia dual, em que Portugal estava sujeito a rei espanhol desde
1580, mais exactamente desde as Cortes de Tomar, que, em Abril de 1581,
reconheceram Filipe II como soberano também no nosso país (Filipe I de
Portugal).
2.
Vasco Pulido Valente escreve, a seguir: "Na segunda metade do
século [XIX], ninguém se lembrava do '1 de Dezembro' e os críticos
do regime, de Ramalho Ortigão aos republicanos, desprezavam e ridicularizavam a
“Sociedade 1.º de Dezembro” (que não sei se ainda existe), como centro de
propaganda da corte e dos Braganças. Só os criados se metiam nessa fantasia,
que o grosso do país letrado não levava a sério."
Primeiro,
uma informação: sim, ainda existe. Nunca se chamou “Sociedade 1.º de Dezembro”,
mas [sim] “Comissão Central 1.º de Dezembro de 1640”; e denomina-se, hoje, Sociedade
Histórica da Independência de Portugal, designação que adoptou nos anos ’20 do
século passado. Celebrou há poucos meses 153 anos de existência e actividade.
Hoje, como desde o início, tem sede no Palácio da Independência, o antigo
Palácio dos Almadas onde nasceu a revolta dos 40 conjurados de 1640.
Em
segundo lugar, as correcções.
A
Comissão Central 1.º de Dezembro de 1640 foi o pólo da prolongada movimentação
que, mais tarde, depois de décadas de persistente intervenção cívica, levaria à
instituição legal do feriado nacional do 1.º de Dezembro. Foi fundada em 24 de
Maio de 1861, tendo lançado um Manifesto em 25 de Agosto do mesmo ano, na
tal "segunda metade do século, [em que] ninguém
se lembrava do 1 de Dezembro", segundo VPV.
Nesta
mesma segunda metade do séc. XIX, a Comissão Central desenvolveu vasta
actividade pública, por iniciativas sociais, editoriais e culturais,
nomeadamente concursos de teatro, récitas, conferências de carácter
histórico-cultural e político-institucional e exposições didácticas. E dinamizou
campanhas públicas de angariação de fundos de que resultou a edificação de
importantes monumentos, de cunho português e patriótico: a estátua a Luís de
Camões, em Lisboa (1867); a estátua ao poeta Bocage,
em Setúbal (1871); a estátua a Sá da Bandeira, em Lisboa (1884); o Monumento
aos Restauradores, também em Lisboa, na actual Praça dos Restauradores (1886);
e a estátua a D. Afonso Henriques, em Guimarães (1888). Tudo isto no período em
que, segundo VPV, a “Sociedade 1.º de Dezembro” estaria votada ao desprezo e ao
ridículo.
Mais
interessante é conhecer a lista dos tais "criados", os
únicos que, segundo VPV, "se metiam nessa fantasia, que o grosso
do país letrado não levava a sério."
Os
fundadores da Comissão Central 1.º de Dezembro e signatários do Manifesto de
1861 foram 40 destacadas figuras da sociedade portuguesa do tempo, incluindo
políticos, como Anselmo José Braamcamp (que foi líder do Partido Histórico ou
Partido Progressista, um dos dois principais partidos da Regeneração), ou o
celebrado tribuno José Estêvão; historiadores, como o grande Alexandre
Herculano e Luís Rebelo da Silva; outros escritores, como José da Silva Mendes
Leal ou Pedro de Brito Aranha; industriais de renome, como Domingos Ferreira
Pinto Basto (da segunda geração da “Vista Alegre”) ou António José Pereira Serzedelo Júnior (que
muito marcou, tal como seu pai, as primeiras décadas do “Banco de Portugal”);
além de ilustres diplomatas, bibliógrafos, jornalistas, publicistas e
comerciantes, presidentes da Câmara Municipal de Lisboa e governadores civis.
Ditosa Pátria que tais “criados” tem!
É
também difícil imaginar que destacadas figuras da “esquerda” liberal portuguesa
desse tempo, como José Estêvão e Manuel de Jesus Coelho (ambos antigos
combatentes da “Patuleia”), além de Alexandre Herculano, consumissem os seus
dias a fazer "propaganda da corte e dos Braganças", como é a
ideia transmitida por VPV.
3.
Vasco Pulido Valente escreveu ainda: "Os republicanos,
logicamente, não continuaram os festejos da dinastia (agora no exílio) e os
monárquicos para se poupar a maçadas também não. O próprio Salazar, embora
restaurasse o feriado, nunca fez um alarido à volta do caso e deixou a
'Sociedade' agonizar no Rossio com a maior indiferença."
Nada
de mais errado.
O
feriado do 1.º de Dezembro foi instituído, em lei, pela 1.ª República (e não
por Salazar), logo nos primeiros dias, gesto que marca o pleno sucesso das
movimentações cívicas das décadas anteriores. É o primeiro Governo Provisório
da República Portuguesa que, por Decreto de 12 de Outubro de 1910, consagra o
dia 1 de Dezembro como feriado nacional, então designado como dia da “Autonomia
da Pátria Portuguesa” e, pouco depois, “dia da Independência e da Bandeira”.
Passou, assim, a ser o mais antigo dos feriados civis portugueses,
pacificamente celebrado de modo ininterrupto, desde 1910 até à sua infeliz
eliminação em 2012.
Os
actos centrais das celebrações nacionais, junto ao Monumento aos Restauradores,
eram já organizados em parceria da Comissão Central 1.º de Dezembro (hoje,
Sociedade Histórica da Independência de Portugal) e da Câmara Municipal de
Lisboa, como ainda acontece apesar da abolição do feriado com efeitos desde
2013. Juntamos, para pleno esclarecimento dos leitores, fac simile do Diário
do Governo de 13 de Outubro de 1910 e fotografia das primeiras
celebrações oficiais do feriado nacional do 1.º de Dezembro, em que se vêem,
entre outros, Manuel de Arriaga e Afonso Costa a celebrarem aquele que, segundo
VPV, foi o “feriado restaurado por Salazar”.
4.
A concluir, citamos um trecho de artigo recente de Luís Reis Torgal, um
historiador à altura dos seus pergaminhos, com vasta obra publicada nesta
matéria dos feriados: "O 1.º de Dezembro é o feriado civil mais
antigo: sobreviveu à I República austera em festividades, ao Estado Novo que só
recuperou os 'dias santos' em 1952 e à chegada da democracia, que nunca aboliu
feriados mas acrescentou vários ao calendário." O mesmo que
criticou há poucos meses: "Terminaram com o feriado da
Restauração, um dos mais simbólicos da nossa independência e afirmação. É como
se estivesse em causa o nosso sentido de independência, dificilmente
conseguido."
O
1.º de Dezembro não é da República, nem da Monarquia, não é da direita, nem da
esquerda. É o dia de Portugal inteiro, o mais nacional de todos os feriados
nacionais. É o dia que celebra aquele valor sem o qual não existiríamos sequer:
a independência nacional. Fá-lo na circunstância da Restauração, porque foi o
momento em que, da última vez que a perdemos, a reconquistámos.
O
1.º de Dezembro celebra o valor fundamental da independência de Portugal, desde
sempre e para sempre, como o dia nacional mais importante, à semelhança da
generalidade dos países europeus e de muitos outros no mundo. Foi a data que a
sociedade portuguesa livremente escolheu para esse efeito e que, mesmo fora das
comemorações oficiais, continua a ser festejada em espontâneas evocações
populares anuais, não só na raia alentejana e beirã (que mais sofreu a Guerra
da Restauração), mas também um pouco por todo o país, em inúmeras localidades.
Só não sabe quem não quer saber.”
[no teor] a opinião "contestada":
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